Um ipê amarelo - Fotografia de Lenynha
Desventuras de um dendrólatra
É possível existir alguém que não
goste de árvore? Não falo do sujeito, índio ou não, que faz a queimada para
plantar mandioca, soja, cana-de-açúcar ou lá o que for. Esse vai direto para o
inferno, mesmo jurando para São Pedro que fazia isso para conseguir o leite das
crianças. Falo das pessoas que me cercam, que vivem na minha cidade e não têm
qualquer razão para destruir, desprezar, ou até mesmo ignorar a existência das
árvores.
O poeta polonês Czeslaw Milosz tem um poema denominado “Anelo” (ou “Desejo
ardente”) que diz “não quero ser um deus ou um herói, apenas tornar-me uma
árvore, crescer um longo tempo, e não ferir ninguém”.
São assim as árvores. Não ferem ninguém, e ainda dão sombra e frutos. Os
druidas acreditavam que quando nos aproximávamos de uma árvore, nos acercávamos
de um ser sagrado que nos podia ensinar sobre o amor e nos dar conhecimento e sabedoria.
O termo druida tem origem céltica e acredita-se que seja um cognato da palavra
grega drus que significa carvalho, essa árvore de grande porte.
Nosso nome, brasileiro, é proveniente de uma árvore de cerne vermelho, manchado
de escuro, o pau-brasil, de onde veio o nome do nosso país. Somos, assim,
parecidos com os druidas, eles se relacionam com o carvalho, nós com o
pau-brasil. Apenas não acreditamos, como eles, que as árvores possam nos
transmitir conhecimento ou sabedoria.
Moro numa praça onde periodicamente a Fundação Parques e Jardins planta algumas
árvores, de maneira tão precária, que morrem em pouco tempo. São sustentadas
por pedaços finos de bambu, que mal se mantêm em pé e não têm nenhuma proteção
de metal em torno. Da última vez, plantaram oito árvores dessa maneira tosca e
apenas uma sobreviveu, um ipê, que cresceu não obstante alguns mendigos
bêbados, malucos ou vândalos cretinos, quebrassem constantemente os seus
galhos.
Notando que ela não resistiria por muito tempo, pois a sua raiz não estava
muito firme, telefonei para a Fundação Parques e Jardins. Dei o meu nome e
endereço e falei da situação periclitante daquela árvore, expliquei que ela
necessitava de uma proteção de metal, como as que existem na Praça Nossa
Senhora da Paz. Eles prometeram uma providência. Um mês depois, como nada
tivesse ocorrido, liguei novamente e disse que estava disposto a pagar pela
proteção de metal. Aquilo deixou a pessoa que me atendeu meio perturbada, pediu
para eu esperar na linha pois ia consultar alguém. Quando voltou disse que eles
mesmos providenciariam a proteção.
Sei que a Fundação Parques e Jardins é integrada por pessoas dedicadas, que têm
o maior interesse em preservar as árvores da cidade. Entretanto, a Fundação
dispõe de um orçamento tão parcimonioso que tem dificuldades para atender às
inúmeras solicitações que lhe fazem.
Toda noite, munido de várias garrafas grandes de plástico cheias de água, eu ia
regar o ipê. Mas a sua raiz continuava bamba. Decidi solicitar o auxílio da
BodyTech, uma academia de ginástica, que anunciava, com cartazes, que estava
tomando conta da praça. Consegui que uma petição, assinada por vários sócios,
fosse enviada à direção da academia solicitando providências em relação àquela
árvore. Aconteceu alguma coisa? Nada. Aqueles cartazes da academia eram apenas
propaganda.
Então decidi contratar uma pessoa para tomar conta da árvore. Esse indivíduo
colocou vários quilos de terra adubada na raiz da árvore, improvisou uma
proteção de madeira em torno do seu caule e borrifa, periodicamente, líquidos
protetores em suas folhas.
Devido à influência do jornalista Agostinho Vieira, que tem uma coluna no
GLOBO, Economia Verde, a Fundação Parques e Jardins colocou em torno da minha
árvore uma proteção metálica.
Sei que existe quem diga que é uma coisa idiota fazer esse estardalhaço por
causa de uma árvore. É devido a esse tipo de pensamento que uma, duas, três,
milhões de árvores são incessantemente destruídas em nosso país. E isso me
preocupa, quer seja um milhão de árvores, quer seja apenas uma. Sou um
dendrólatra incorrigível.
Não posso deixar de citar trecho de um poema de Joyce Kilmer: “I think that I
shall never see a poem lovely as a tree. [...] Poems are made by fools
like me, but only God can make a tree.” (Em tradução livre: “Creio que nunca verei um poema
lindo como uma árvore... Poemas são feitos por idiotas como eu, mas uma árvore
só pode ser feita por Deus.”).
Essa praça, acrescento eu agora, deve ter todas as suas árvores, ou pelo menos
a imensa maioria delas, destruídas pelo nocivo planejamento do metrô. A Praça Nossa Senhora da Paz em Ipanema vai
sofrer a mesma violência. Realmente, como disse o poeta e filósofo alemão
Schiller, “contra a estupidez humana até os deuses lutam em vão”. Mas quero
deixar claro que não sou contra o metrô, como meio de transporte. Sou contra a destruição das
árvores.
Rubem Fonseca