segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Adeus a Manoel de Barros




O poeta brasileiro Manoel de Barros faleceu recentemente em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, no passado dia 13 de novembro. Tinha 97 anos e a 19 de dezembro teria completado 98 anos. Queríamos publicar versos dele aqui nesse dia do seu aniversário (e vamos publicar). É hoje, com pena, que trazemos este excerto de um documentário e uns versos. Ouvimos a voz dele. Adeus, Manoel de Barros, o Pantanal é seu para sempre! Nós continuaremos a ler seus poemas.

"O documentário, gravado no pantanal sul-mato-grossense, aborda a trajetória da vida e da obra do poeta Manoel de Barros, num exercício compartilhado entre o documentarista e o próprio poeta. Nele, um andarilho percorre os lugares onde o poeta nasceu e ainda vive. Ao longo da jornada, o andarilho tem encontros com outros personagens criados por Manoel de Barros. Direção: Arlindo Fernandez Co-produção: Arlindo Fernandez de Almeida / Leader Vídeo-Produtora Ltda TVE Regional-MS / Fundação Padre Anchieta - TV Cultura"




AGROVAL

Por vezes, nas proximidades dos brejos ressecos,
Quando as águas
Encurtam nos brejos, a arraia escolhe
Uma terra propícia,
Pousa sobre ela como um disco, abre
Abre com suas asas uma cama,
Faz chão úbere por baixo, e se
Enterra.

Por baixo de suas abas lateja um
Agroval de vermes, cascudos, girinos
E tantas espécies de insetos e
Parasitas, que procuram o sítio como
Ventre.
E a cabo de três meses de trocas e
Infusões,
A chuva começa a descer...e a arraia
Vai levantar-se.
Seu corpo deu sangue e bebeu.
Na carne ainda está embutido o fedor
De um carrapato.

É a pura inauguração de um outro
Universo.






Revista Bula: Os 10 melhores poemas de Manoel de Barros






Despedida desde Portugal ao poeta brasileiro


ENCOMENDAÇÃO

Deus é uma grande aranha, pensou
manoel de barros. E agarrou um dos
fios da sua teia para subir, com
todo o cuidado de um tecedor
de palavras, até ao infinito. «E

onde está o deus que fabricou
tudo isto?», perguntou ao chegar
à floresta que nasce no cume
dos sonhos. E um dos pavões,
de sílabas coloridas com as tintas
vermelhas e roxas do crepúsculo,
respondeu: «Deus vive na rede
dos teus versos.» E abriu a sua
cauda onde as cores da madrugada
reflectiam, como num espelho
de ouro poliédrico, o rosto de deus.

Nuno Júdice

14-11-2014

Poema inédito cedido pela Casa da América Latina


(Fonte)