segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Balada do caixão (António Nobre)




BALADA DO CAIXÃO

O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte.
Ponteia e cose o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mogno, debruados de veludo,
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vai a aborrecer,
Fui-me lá ontem: (era Entrudo,
Havia imenso que fazer...)
– Olá, bom homem! Quero um fato,
Tem que me sirva? – Vamos ver...
Olhou, mexeu na casa toda.
– Eis aqui um e bem barato.
– Está na moda? – Está na moda.
(Gostei e nem quis apreçá-lo:
Muito justinho, pouca roda...)
– Quando posso mandar buscá-lo?
– Ao pôr-do-Sol. Vou dá-lo ao ferro:
(Pôs-se o bom homem a aplainá-lo...)
Ó meus Amigos! Salvo erro,
Juro-o pela alma, pelo Céu:
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dândi, olhai!, do que eu!

Paris, 1891

António Nobre

António Pereira Nobre (1867 — 1900), mais conhecido como António Nobre, foi um poeta português cuja obra se insere nas correntes ultra-romântica, simbolista, decadentista e saudosista (interessada na ressurgência dos valores pátrios) da geração finissecular do século XIX português.

A sua principal obra, (Paris, 1892), é marcada pela lamentação e nostalgia, imbuída de subjectivismo, mas simultaneamente suavizada pela presença de um fio de auto-ironia e com a rotura com a estrutura formal do género poético em que se insere, traduzida na utilização do discurso coloquial e na diversificação estrófica e rítmica dos poemas. Apesar da sua produção poética mostrar uma clara influência de Almeida Garrett e de Júlio Dinis, ela insere-se decididamente nos cânones do simbolismo francês. A sua principal contribuição para o simbolismo lusófono foi a introdução da alternância entre o vocabulário refinado dos simbolistas e um outro mais coloquial, reflexo da sua infância junto do povo nortenho.