quarta-feira, 8 de junho de 2011

Nós matamos o Cão-Tinhoso (Luís Bernardo Honwana)



O Cão-Tinhoso tinha uns olhos azuis que não tinham brilho nenhum, mas eram enormes e estavam sempre cheios de lágrimas, que lhe escorriam pelo focinho. Metiam medo, aqueles olhos, assim tão grandes, a olhar como uma pessoa a pedir qualquer coisa sem querer dizer. 

Eu via todos os dias o Cão-Tinhoso a andar pela sombra do muro em volta do pátio da Escola, a ir para o canto das camas de poeira das galinhas do Senhor Professor. As galinhas nem fugiam, porque ele não se metia com elas, sempre a andar devagar, à procura de uma cama de poeira que não estivesse ocupada. 

O Cão-Tinhoso passava o tempo todo a dormir, mas às vezes andava, e então eu gostava de o ver, com os ossos todos à mostra no corpo magro. Eu nunca via o Cão-Tinhoso a correr e nem sei mesmo se ele era capaz disso, porque andava todo a tremer, mesmo sem haver frio, fazendo balanço com a cabeça, como os bois e dando uns passos tão malucos que parecia uma carroça velha.

Houve um dia que ele ficou o tempo todo no portão da Escola a ver os outros cães a brincar no capim do outro lado da estrada, a correr, a correr, e a cheirar debaixo do rabo uns dos outros. Nesse dia o Cão-Tinhoso tremia mais do que nunca, mas foi a única vez que o vi com a cabeça levantada, o rabo direito e longe das pernas e as orelhas espetadas de curiosidade.

Luís Bernardo Honwana (Maputo, 1942) é um escritor moçambicano